A nave híbrida por entre o corpo pulsante
Ultrasom, intervenção sonora realizada por Siri, busca investigar os meandros de nossa fase uterina, basal para a compreensão dos desígnios que regem a existência. A pesquisa do artista baseia-se na premissa de que no ventre materno, antessala do despertar para o caos, somos embalados por sons límpidos, fluidos, quase imperceptíveis.
Para comprovar a sua tese, Siri, tal qual um astronauta transversal aparamentado com as vestes das linguagens multipartidas, ingressou no corpo da mulher grávida e, durante os 9 meses de gestação de sua filha Clara, fez uma viagem insólita. Nesse percurso, movido pelo encantamento da concepção humana, construiu um conjunto de sons que são o cerne de seu trabalho atual.
A configuração de Ultrasom, como o próprio nome induz, se dá através de ondas sonoras que acarretam um envolvimento completo, assim como a placenta que protege, nutre, vibra. Fazendo um paralelo com a arquitetura, possui a organicidade Gaudiana, conjuminada com o traço preciso de Lucio Costa.
Sofisticado em sua trama conceitual, Ultrasom é um projeto de cunho experimental absolutamente sintonizado com os meandros do contemporâneo, a começar pelo posicionamento do artista em não abrigar-se em nenhum campo específico: Siri navega pelas vias turbulentas das fronteiras com a mente e o corpo abertos a qualquer experiência artística, depurando os significados para a construção de sua obra. Essa postura antropofágica e faminta faz dele um artista diferenciado, na medida em que não dissocia a arte da vida.
Nelson Ricardo Martins